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  • Ana Carolina Oliveira

Previdência Complementar: atualização do regime sancionador (Decreto 4.942/2003)


Quando se trata da atual agenda das entidades fechadas de previdência complementar, um dos temas centrais se refere à necessidade de atualização do Decreto 4942, de 30 de dezembro de 2003. 


Este Decreto regulamenta o processo administrativo para apuração de responsabilidade por infração à legislação no âmbito do regime da previdência complementar, operado pelas entidades fechadas de previdência complementar.

 

Não há dúvidas de que o Decreto 4942/2003 desempenhou, desde a sua edição, um papel fundamental ao estabelecer as bases para a aplicação do regime sancionador no âmbito da Previdência Complementar Fechada. 


No entanto, com as mudanças e aprimoramentos regulatórios ocorridos ao longo desses anos, é unânime o entendimento de que sua revisão se faz necessária para assegurar maior objetividade, efetividade e segurança jurídica. 


Um decreto técnico e atualizado dará mais previsibilidade para os dirigentes e mais autoridade para o aparato estatal de fiscalização.


A revisão do Decreto 4942/2003 deve levar em consideração a doutrina penal moderna, os princípios constitucionais, a Lei do Processo Administrativo, além de toda a experiência acumulada pelo próprio setor de previdência complementar ao longo desses vinte anos. 

Dentre as principais alterações que vislumbramos como necessárias, destacamos as seguintes:


  1. Fortalecimento do devido processo legal e ampla defesa – tendo em vista as grandes repercussões decorrentes da condenação administrativa para a vida do apenado e para todo o setor de previdência complementar, é preciso assegurar a rigorosa observância do devido processo legal e da ampla defesa, protegendo-se a presunção do ato regular de gestão. É uma garantia que decorre do artigo 5º da Constituição Federal, ponto de partida para qualquer discussão sobre o tema.

  2. Aperfeiçoamento da produção de provas – a nova norma pode aprimorar o disciplinamento da produção de provas no âmbito do processo administrativo sancionador, com especial destaque para a possibilidade de adoção de prova pericial.

  3. Aprimoramento da tipificação de condutas – a experiência nesses vinte anos de vigência do Decreto permite que algumas condutas mais recorrentes sejam melhor tipificadas, afastando tipos penais demasiadamente abertos, o que trará maior segurança jurídica.

  4. Necessidade de individualização das condutas dos agentes – a condenação de cada um dos envolvidos na infração deve ser fundada na análise individualizada de sua conduta, observando-se a exata medida de sua participação no cometimento da infração.  

  5. Adoção de efetiva dosimetria das penalidades aplicadas – as penas aplicadas devem levar em consideração o fato de que dentro da estrutura de governança das entidades e de seus órgãos colegiados o poder decisório e, por consequência, a responsabilidade dos envolvidos, são variados, o que deve ser observado quando da aplicação da penalidade. A adoção de critérios objetivos e impessoais é necessária para definição desta dosimetria.

  6. Adequação da norma quanto à possibilidade de celebração de Termos de Ajustamento de Conduta – O TCA foi inicialmente previsto pela Instrução PREVIC nº 3, de 29 de junho de 2010, de modo que não foi contemplado pelo Decreto 4942/2003. Sobre esse tema, vale destacar que a Resolução PREVIC nº 23, de 14 de agosto de 2023, em seu art. 255, já passou a prever que “o interessado pode manifestar sua intenção de celebrar o Termo de Ajustamento de Conduta até a decisão de primeira instância do julgamento do auto de infração”, regra essa que merece ser contemplada na norma que vier a substituir o citado Decreto.

  7. Diferenciação, no âmbito dos investimentos, entre o que decorre do risco do negócio e o que decorre de gestão temerária – deve-se observar a presunção, universalmente aceita, de que nem todo investimento vai performar conforme o pretendido, razão pela qual o Conselho Monetário Nacional exige a diversificação nas aplicações feitas pelas EFPC. Esse fato, decorrente do risco do negócio, não pode, por si só, ser confundido com gestão temerária passível de apenamento.

  8. Aprimoramento do entendimento quanto à aplicação do parágrafo segundo do art. 22 do Decreto – o texto a ser adotado pode contemplar, com mais precisão, as hipóteses em que eventual irregularidade pode ser sanada, afastando-se, assim, a culpabilidade. A norma também deve deixar claro que o prejuízo a ser considerado para fins de atrair a responsabilização administrativa deve ser o prejuízo efetivo, real, não se podendo admitir um prejuízo “em abstrato”.

  9. Esclarecimento acerca das hipóteses de interrupção da prescrição – o disposto no inciso II do atual art. 33 do Decreto, ao prever a interrupção da prescrição “por qualquer ato inequívoco que importe apuração do fato” precisa deixar claro o que deve ser entendido como ato inequívoco de apuração, evitando que qualquer ato praticado pela fiscalização seja assim entendido.

  10. Observância do “duplo grau de jurisdição” – possibilitar que a instância recursal das decisões proferidas nos processos administrativos sancionadores funcione como tal, verificando se, na formatação atualmente proposta, os membros que integram a Câmara de Recursos da Previdência Complementar (CRPC) são efetivamente equidistantes das partes envolvidas (fiscalização e autuados) e se sua composição e rito de funcionamento asseguram sua independência, e fazendo eventuais ajustes necessários.    

  11. Modernização do processo administrativo sancionador – possibilidade de adoção de meios eletrônicos para fins de intimações e comunicações, bem como a adoção de sistemas eletrônicos para a tramitação dos processos.

Uma revisão cuidadosa e abrangente dessa norma se faz importante para afastar eventuais fragilidades no arcabouço legal sancionador, o que vai assegurar maior segurança jurídica para todos que operam no segmento da Previdência Complementar Fechada. A clareza normativa é vital para a efetividade tanto dos controles internos das próprias entidades como dos controles externos, essencialmente sob a responsabilidade do Estado. 


Uma nova norma disciplinadora do regime sancionador que venha para orientar as práticas dos gestores de fundos de pensão certamente irá fortalecer a confiança dos participantes e assistidos nesse sistema tão importante para o país.


 

Autora: Ana Carolina Ribeiro de Oliveira Mendes


Fonte: ABRAPP


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